• maio 29, 2025

PENDURICALHOS. A “uberização” do trabalho do policial civil

PENDURICALHOS.  A “uberização” do trabalho do policial civil

Nos últimos anos, a precarização do trabalho tem se manifestado em diversas profissões, e não é diferente no âmbito da polícia civil de Mato Grosso: a que denominamos de “uberização” do trabalho policial. Esse termo, originalmente associado à precarização das relações de trabalho em aplicativos de transporte, se encaixa perfeitamente na realidade de investigadores e escrivães de polícia de Mato Grosso, que vivem hoje uma rotina marcada por sobrecarga, desvalorização e incentivos paliativos — os chamados “penduricalhos”.

 

A rotina de investigadores e escrivães é caracterizada por plantões muitas vezes intermináveis, chamamentos a qualquer hora e uma demanda crescente de trabalho, especialmente diante do avanço do crime organizado e da criminalidade financeira. Muitos acumulam anos sem folgas adequadas, sobrevivendo à base de gratificações temporárias – os chamados “penduricalhos” –, que, embora ajudem a complementar a renda, não resolvem o problema estrutural: a falta de um salário digno e permanente.

 

O resultado é o aumento de casos de burnout, depressão e outras doenças ocupacionais, que afastam profissionais qualificados e sobrecarregam ainda mais os que permanecem na ativa. Enquanto isso, a diferença salarial entre esses servidores e os delegados de polícia só aumenta, criando um abismo que desmotiva e desvaloriza quem está na linha de frente das investigações.

 

Essa situação que acarreta o adoecimento físico e mental desses profissionais, que, mesmo com formação de nível superior, são tratados com descaso pelo poder público. Esses profissionais, pilares fundamentais da atividade investigativa e da administração das unidades policiais, são frequentemente submetidos a jornadas de trabalho extenuantes que, mesmo diante das adversidades, seguem atuando com dedicação no combate ao crime organizado, às fraudes financeiras e a tantos outros delitos de alta complexidade em nosso Estado.

 

Apesar da complexidade e responsabilidade das funções que desempenham, investigadores e escrivães ainda enfrentam um profundo abismo salarial em comparação ao cargo de delegado. Tal disparidade não se justifica diante da realidade prática da atividade policial, onde todos são peças indispensáveis para o bom funcionamento das atribuições de polícia judiciária.

 

Os pesquisadores (Bratton & Gold, 2012) compreendem que “sistema de recompensa” é qualquer tipo de pagamento monetário ou psicológico que uma organização oferece aos seus funcionários em troca de melhor performance no trabalho. A tentativa de compensar essa defasagem com gratificações e bônus por produtividade revela-se não só insuficiente, como também perversa.

 

Os “penduricalhos” — prêmios condicionados ao desempenho ou metas muitas vezes arbitrárias — apenas maquiam a real necessidade de uma valorização efetiva da carreira. Esses mecanismos reforçam a lógica de precarização, criando uma cultura de competitividade e desgaste contínuo, sem oferecer segurança jurídica ou estabilidade salarial.

 

O instituto da “Chamada a Qualquer Hora” – CQH é um dos penduricalhos que estamos falando o qual já deveria estar integrado a remuneração dos policiais, uma vez que o trabalho do policial civil se sujeita à prestação de serviços em condições adversas de segurança, com risco de vida, plantões noturnos e chamadas a qualquer hora. Porém, se surgir uma intercorrência com o servidor e precisar tirar uma licença médica igual ou superior a 04 (quatro) dias o recebimento de chamadas a qualquer hora somente será restabelecido após 60 (sessenta) dias, a contar da data em que se finalizou a respectiva medida impeditiva.

 

Por essa razão constata-se a precarização uma vez que o policial apenas é útil ao tempo que ele está em plena atividade por meio do princípio da utilidade funcional.

 

O governo também cogita implementar premiação para produtividade as forças de segurança como tem feito a educação, cujo objetivo é de colocar o Estado de Mato Grosso entre os 10 melhores do país no IDEB até 2026 por meio da Gratificação Anual por Eficiência aos Profissionais da Educação Básica e dos demais servidores lotados na Secretaria de Estado de Educação.

 

Ao diluir o valor dessa gratificação pelos dias trabalhados do ano equivale o que ganharia um entregador de aplicativo “motoboy” para entregar sua mercadoria correndo risco de vida com manobras arriscadas no trânsito para alcançar a sua meta.

 

É urgente reconhecer que investigadores e escrivães exercem funções de nível superior e devem ser remunerados como tal. A valorização passa, necessariamente, por uma reestruturação da carreira que contemple o ajuste salarial proporcional, pois não faz sentido que profissionais responsáveis por desvendar crimes complexos e garantir a segurança pública, recebam remuneração tão distante daquela destinada aos delegados.

 

Nesse sentido, a unificação dos cargos de investigador de polícia e escrivão surge como medida necessária, viável e urgente. Ao reunir em uma única carreira as funções investigativas e administrativas, ganha-se em eficiência, clareza de atribuições e fortalecimento da identidade profissional.

 

A Lei Nº 14.735, de 23 de novembro de 2023, que institui a Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis, prevê a unificação dos cargos bem como diretrizes de uniformidade de sentido nas atribuições desta função pública, alinha campos de atuação e por sua vez contribui para dirigir conflitos. A lei também estabelece um marco legal unificado que padroniza as normas e procedimentos para todas as polícias civis do país.

 

Os sindicatos das duas categorias apresentaram ao governo o desejo da unificação, inclusive com debate público em audiência pública na Assembleia Legislativa, ocorrido no mês de março de 2025. A principal justificativa é a reestruturação da carreira policial, tornando-a mais atrativa, valorizada e preparada para enfrentar os desafios cada vez mais sofisticados da criminalidade contemporânea. No entanto, o governo de Mato Grosso permanece silenciado enquanto cerca de oito estados brasileiros já implementaram a mudança.

 

Chegou o momento de abandonar o modelo de recompensas fragmentadas, concedidas por mera liberalidade e conveniência do gestor, que não se fundamentam em necessidades legais ou interesse público direto, mas sim em escolhas pessoais do agente público.

 

Para concluir, o princípio da eficiência é um dos princípios basilares da função pública e, por sua vez, o gestor público deve adotar uma política séria de valorização e respeito aos servidores da base da polícia civil. Investir nesses profissionais é investir na segurança pública de verdade.

 

Somente com uma restruturação séria e justa será possível reter talentos e garantir que esses profissionais continuem desempenhando seu papel com excelência no combate ao crime organizado, fraudes financeiras e demais delitos de alta complexidade. A uberização do trabalho policial – com profissionais sobrevivendo de bônus incertos e sem garantias – precisa acabar. O serviço público de segurança exige respeito, e isso começa com salários dignos e carreiras unificadas.

 

*ADEMAR TORRES DE ALMEIDA é investigador da Polícia Civil há 23 anos, bacharel em Direito e Comunicação Social, Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos, Mestre em Educação.

 

 

 


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