Pense em uma pessoa que desde a infância se dedica a alguma atividade esportiva, primeiro pelo prazer que o esporte proporciona ao ser humano, depois pela necessidade de desenvolver alguma atividade face à doença da depressão que o incomoda e, às vezes, pode deixá-lo desanimado, paralisado e sem rumo.
Mentalize alguém que já conquistou tantas medalhas no mundo esportivo, que pode se referir a elas pelo peso: são cerca de seis quilos de medalhas que ganhou durante os últimos 30 anos em que participa de competições em várias modalidades como voleibol, natação, futebol, ciclismo e lançamento de dardo, tanto no Brasil como no exterior.
Imagine a história de um ser humano que leva muito a sério a máxima mens sana in corpore sano, o conceito de que só um corpo são pode sustentar uma mente sã. Alguém para quem a prática de esporte é o principal laser, e que nunca conseguiu ficar sem praticar algum esporte na vida. Um homem que quando não consegue patrocínio, paga do próprio bolso as despesas para participar de uma competição.
Esse personagem existe: seu nome é Elson Bueno Junior, investigador da Polícia Civil de Mato Grosso desde 2001, quando foi aprovado em concurso público e tomou posse, optando por seguir a carreira de policial em vez de fazer pós-graduação na USP, onde tinha ganhado uma bolsa de estudo na área de Física.
Contudo, a vocação para policial não se sobrepõe à sua dedicação aos esportes, no máximo pode-se dizer que as duas caminham juntas, lado a lado. Ainda garoto, em Urânia, no interior de São Paulo, Elson começou a nadar, depois ganhou uma bicicleta e pedalou pela cidade inteira. Descobriu o vôlei e só o deixou por causa de sérias lesões que sofreu. Hoje pratica lançamento de dardo, atividade que tem algo em comum com o vôlei, conforme conta nesta entrevista ao site do Siagespoc:
– Você é policial por vocação?
Sim. Eu passei no concurso da Polícia Civil em 2001 e entrei por opção mesmo, porque eu tinha uma bolsa de estudo para fazer pós-graduação na USP, mas escolhi ficar [na polícia]. Eu sou formado em Física.
– Lançador de dardo: é esse o nome que se dá à modalidade esportiva que você pratica atualmente?
Sim. Mas eu comecei a treinar e competir primeiramente em natação depois que machuquei a coluna; antes disso eu joguei vôlei durante muito tempo. Eu sempre gostei de esportes, desde criança.
– Que idade você tinha quando começou a praticar uma atividade esportiva?
Eu tinha cinco anos de idade quando fiquei esperando o corte da fita inaugural da piscina de um clube da minha cidade, Urânia, no interior de São Paulo, para cair na água e nadar. Eu me recordo muito bem desse dia, pois foi a partir dessa data que passei a nadar todos os dias. Com sete anos eu ganhei uma bicicleta e andava pela cidade inteira; sempre gostei de esporte, também joguei bola…
– Então você chegou ao dardo mais ou menos por acaso, porque sua iniciação foi em outras modalidades?
Eu pratiquei outras modalidades esportivas. Comecei jogando futebol, fui campeão pelo Palmeirinhas, na cidade onde morava, e também fiz natação, ciclismo, boxe e caratê, mas assim que cheguei ao vôlei não saí mais; só parei de competir no vôlei porque machuquei a coluna. Eu estava jogando em Maceió, aí tive uma hérnia de disco que foi um problema muito grave na época. Enquanto eu jogava estava tranquilo, mas depois que saí do jogo, quando o corpo começou a esfriar veio a dor, aí os médicos me recomendaram abandonar o vôlei. Eu ainda jogo em fins de semana, mas passei a fazer natação, isso foi em 2009. Naquele ano eu comecei a competir também no estadual, já em 2010 eu participava de competições internacionais de natação; fui aos Jogos Ibero-Americanos, e aí ano após ano eu buscava uma competição para participar, até para servir de incentivo para treinar, porque nunca consegui ficar fora de atividade física. Então, quando a competição é um objetivo você vai treinar sempre, não vive mais oscilações como treinar um dia e parar por três semanas, entende? Você incorpora isso à sua vida, e foi isso que eu fiz.
– Quando você começou a treinar lançamento de dardo?
Eu competi em dardo a primeira vez quando fazia a Escola Técnica, até venci a prova também. Mas eu escolhi o dardo por ter facilidade em executar o movimento de lançamento, pela experiência no vôlei, que eu joguei durante muito tempo. A gente faz um movimento de distensão com o braço (muito parecido com o movimento de quem corta a bola no vôlei) e aí eu tenho facilidade com esse movimento devido à prática adquirida no vôlei. Eu competi no Mundial de 2013 (Jogos Mundiais de Policiais e Bombeiros) e ganhei uma medalha de ouro no dardo.
– Você chegou a pensar em participar dos Jogos Olímpicos, como esses que acabam de ser realizados no Rio de Janeiro?
Eu não teria como participar, porque na Olimpíada comparecem atletas profissionais; na verdade, eu teria que treinar muito. Eu achei que para mim não daria, pois teria que viver [apenas] do esporte para competir em uma Olimpíada.
– Fale um pouco mais sobre esse campeonato ao qual você se referiu quando ganhou medalha de ouro.
Fo nos 1ºs Jogos Ibero-Americanos que eu ganhei dois ouros na modalidade Natação, época em que já tinha um ano de treinamento. No dardo, no último Mundial, realizado em 2013, eu ganhei medalha de ouro. Os jogos eram mundiais, de várias modalidades, eu me inscrevi na natação, mas como tive uma lesão, inscrevi-me também no dardo e venci. Isso foi em Belfast, na Irlanda do Norte.
– Você sempre teve apoio da Polícia Civil?
Na verdade eu tive apoio nos Jogos Ibero-Americanos, em 2010, e depois no Mundial de Nova Iorque em 2011, quando contei com o apoio efetivo do Estado, mas a partir daí isso nunca mais aconteceu. Sou eu que custeio minhas viagens, arco com todas as despesas, inclusive com as inscrições que também são caras.
– Você admite que a Copa do Mundo no Brasil, e a Olimpíada, também realizada aqui, tiveram alguma influência em sua decisão de continuar a praticar esportes?
Esses últimos eventos esportivos realizados no Brasil foram cercados de muita política, a fase que a gente está vivendo na política brasileira, essa gastança, a péssima administração que foi vista para receber os jogos, na verdade, para mim isso não serviu, mas eu gosto tanto de esporte que nada me abala, vou continuar praticando esporte sempre.
– O que o esporte representa para você?
Para mim esporte é tudo porque eu nunca consegui viver bem sem praticar uma atividade física. Eu sofro de depressão e, talvez por isso, quando era criança quem sabe por impulso fui levado ao esporte e desde então o esporte passou a ser, para mim, um remédio. Mens sana in corpore sano. Para quem tem depressão… e a depressão se manifesta de uma maneira diferente em cada pessoa… para mim, o remédio [contra depressão] é a atividade física.
– É correto dizer que o esporte salvou sua vida?
Com certeza, está salvando, tem salvado. A verdade é essa: a atividade física está me salvando. Eu acredito que se parasse não saberia o que fazer… não sei… teria que inventar alguma coisa… Eu penso muito em atividade física. Para os jovens, pelo menos, isso funciona bastante para quem quer ter uma vida tranquila.
– Nós vimos, principalmente na Paraolimpíada, que é comum o atleta iniciar-se em uma modalidade esportiva e depois migrar para outra. Isso sempre foi assim ou é uma prática recente? Você mesmo contou uma experiência semelhante em sua vida.
Eu passei por várias modalidades. Mas fui para o dardo porque tinha facilidade com o movimento do braço. No lançamento de dardo o movimento do braço é semelhante ao movimento que você faz para cortar a bola no vôlei, então a gente aproveita aquele grupo muscular que tem no braço [e está acostumado a exercitar em uma dada modalidade] de modo que para mim foi mais fácil adaptar-me a outras variantes.
– O dardo parece não ser um esporte muito popular, pelo menos em nossa região, ou é?
Eu escolhi o dardo porque passei a enfrentar com alguns problemas de saúde. Eu tenho um problema pulmonar e trombofilia (propensão ao desenvolvimento de trombose devido a uma anomalia no sistema de coagulação do sangue). Eu tive algumas internações. Então eu sinto dificuldade para correr por causa do problema pulmonar. Se fosse competir em corrida, eu teria que treinar muito e nem sei se minha condição física permitiria, não sei se posso. Eu estou me tratando com um médico, tomando remédios e a minha vida tem sido tomar remédios e repetir exames para saber se a doença desapareceu, como é que vai ser… se eu pudesse escolher, escolheria esportes mais competitivos, que exigem mais esforço, eu gosto disso.
– O que você tem a dizer aos jovens e adolescentes, aquele time que é adepto da lei do menor esforço, que fica no sofá vendo TV o dia inteiro, falando ao celular, entregue quase que exclusivamente ao sedentarismo?
Eu sugiro largar aquilo que é cômodo, que é automático, que é ficar de posse do controle remoto da TV, ou com o ipad do lado, largar tudo isso e fazer atividade física, porque esse é o caminho. Quando eu era criança participei de muita brincadeira que hoje não existe mais. Eu brincava de corta queijo, garrafão, manda-curva, barata, esconde-esconde, e era brincadeira com muita correria, não eram jogos, joguinhos eletrônicos; para mim isso foi fundamental para ter uma vida bem melhor.
POLICIAL DESPORTISTA Hoje ele treina lançamento de dardo, mas já jogou vôlei e praticou natação; e conquistou dezenas de medalhas nessas e em outras modalidades. Fonte: Luiz Cesar de Moraes
Edição: 23.09.2016
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