- setembro 7, 2020
O retrato de uma polícia abandonada
Lamentavelmente o caso envolvendo a morte do Investigador de Polícia Osafa Pereira da Cruz de 41 anos, na cidade de Paranavaí – PR é um triste retrato da situação das policiais civis do Brasil. Osafa da Cruz foi morto enquanto trabalhava sozinho na delegacia, lavrando um termo circunstanciado de ocorrência.
A profissão policial é por natureza uma carreira de risco, no entanto, esse risco não deve ser absoluto, tendo o Estado à obrigação de mitigá-lo através de uma política de segurança pública séria e responsável. O Sindicato dos Investigadores de Polícia de Mato Grosso vem incansavelmente denunciando aos órgãos competentes o descaso da Diretoria da Polícia Civil, da Secretária de Segurança Pública e principalmente do Governo do Estado em relação às situações vivenciadas pelos Investigadores de Policia.
Mato Grosso atualmente tem um déficit de cinqüenta por cento do seu efetivo, fazendo com que grande parte das delegacias funcionem precariamente com apenas um policial por plantão.
Chega de “tampar o sol com peneira”, a Polícia Judiciária Civil cuja natureza intrínseca é investigativa e repressiva está se transformando em uma polícia administrativa, formalizadora de prisões efetuadas pela Polícia Militar, salvo exceções de situações priorizadas.
A culpa do enorme índice de crimes não solucionados, ou mesmo da vultosa cifra negra (crimes que nem são registrados) não é dos Investigadores de Polícia, pois estes estão fazendo sua parte, trabalhando muito além do previsto, sem receber horas extras, embora sejam previstas na Lei Complementar 407/2010, cumprindo escala de sobreaviso sem previsão legal e sem contrapartida financeira, sendo obrigados através de portarias esdrúxulas, endossadas pela corregedoria, a acumular a função de escrivão sob
o pretexto de que a lei processual permite que a autoridade policial nomeie qualquer pessoa como escrivão “ad hoc”, sem observar que tal nomeação é apenas para o ato da lavratura do flagrante e não para desenvolver as atribuições do cargo de escrivão, dentre várias outras ilegalidades e irregularidades.
Embora a relação de deficiências seja enorme, vamos nos ater a falta de efetivo e conseqüentemente ao exercício da atividade policial por apenas um investigador por plantão. A boa doutrina policial ensina que a atividade policial é baseada pelo princípio da superioridade numérica ou proporção, sendo aconselhado o quantitativo de três policiais para cada pessoa abordada.
Durante a academia de polícia, os investigadores aprendem nas aulas de técnicas de abordagem, operações, investigações, dentre outras que policial não trabalha sozinho, no entanto, ao irem para as delegacias, se deparam com a triste realidade de ter que trabalhar em plantão noturno, efetuar intimações e conduzir presos sozinhos.
Dentre as várias situações, citamos o exemplo da delegacia de Santa Cruz do Xingú, onde trabalha apenas um investigador por plantão, o qual, muitas das vezes tem que conduzir um ou mais presos sozinho para a cidade de Vila Rica, localizada a trezentos quilômetros de distância, expondo a risco sua vida e a vida do próprio conduzido, pois o mesmo observando o princípio da oportunidade pode querer atacá-lo para empreender fuga.
Situação semelhante é a da delegacia de São José do Rio Claro, a qual conta com apenas três Investigadores para cuidar de duas cidades, vinte quatro horas por dia (São José do Rio Claro e Nova Maringá).
Na condição de líder sindical é revoltante constatar a inércia e o “faz de conta” dos gestores da segurança Pública frente a situação dos Investigadores de Polícia. Dói ouvir desabafos como o de um colega lotado no interior do Estado:
“Estamos quase ficando loucos aqui em presenciar e viver diversas situações onde a nossa vida é colocada a risco em todas as nossas diligências, pois aqui a nossa companhia nas diligências é só Deus. Muitas vezes temos que viajar 100, 150 ou até 200 quilômetros em estrada de chão sozinho para fazer local de crime ou atender ocorrências, sendo que esse procedimento independe de horário, se acontecer de dia, noite ou de madrugada nós temos que ir até lá pra atender a ocorrência, e vale lembrar que teremos que ir sozinho nessas diligências. Aqui é quase proibido ficar doente, pedir férias ou licença prêmio, porque senão ficaria só dois trabalhando. Até para morrer aqui estamos meio que proibidos, pois se um morrer castigará os outros dois colegas que terão que trabalhar pelo que morreu.”
Ante o exposto, fica uma reflexão: será necessário acontecer em Mato Grosso a mesma tragédia que aconteceu no Paraná, para então sermos ouvidos?
E, caso aconteça, as autoridades omissas serão responsabilizadas?
*GLÁUCIO DE ABREU CASTAÑON é presidente em exercício do Sindicato dos Investigadores de Polícia de MT, Bacharel em Direito, Licenciado em Letras, Especialista em Direito Penal e em Inteligência de Segurança Pública.